Como uma Raça foi Imaginada

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S. Sand

Como uma Raça foi Imaginada

A afirmação central de Como uma Raça foi Imaginada é a de que, ao contrário do que a cronologia sugere, a religião judaica progenitora do cristianismo foi em larga medida moldada pela cristandade em cujo seio se desenvolveu. Nos primeiros séculos da nossa era, as duas religiões competiram no sentido de se reforçar, crescer, fundamentalmente do mesmo modo, i.e. convertendo novos fiéis. A corrida terminou com a vitória cristã, ao obter o favor do poder romano, que prontamente proibirá o proselitismo judaico. A ideia de que a diferença entre os dois grupos extravasa o âmbito religioso, de que os judeus constituem um «povo» distinto, é formulada no séc. V por teólogos como João Crisóstomo e Santo Agostinho. É a partir daqui que se desenvolve o mito do «povo do exílio», de uma «raça à parte», dos judeus como estrangeiros, como «semitas».

O autor descreve as mutações do sentimento «judeófobo» ao longo de milénios – do advento da cristandade a Lutero, de Proudhon a Hitler – como uma componente essencial da doxa ocidental. É bem de «judeofobia» que se trata, não de «antissemitismo», noção recentíssima e que afinal perpetua o preconceito que pretende denunciar.

O facto da doxa ter reverberado ao longo da história não é incompatível com momentos como a Revolução Francesa, em que os judeus serão assimilados no corpo dos cidadãos. Mas não demorará até que a barbárie se instale: Holocausto: 11 milhões de vidas rasuradas; 6 milhões judias. Este caminho foi sancionado pela «ciência» que postulou a existência de «raças» humanas, com o branco Ocidental no topo da hierarquia, e judeus, índios, negros, asiáticos, como raças – e vidas – de menor valor. O peso na consciência do Ocidente abrirá o caminho para a Partição da Palestina e proclamação do Estado de Israel, em 1948. Nos anos 1960-70 as opiniões públicas ocidentais e mundiais consciencializam-se da tragédia e, nesta sequência, o preconceito estrutural em relação aos judeus definha, até se tornar residual nos dias de hoje.

Todavia, ao mesmo tempo, a ideia de que os judeus constituem uma «raça» ou «grupo» à parte (agora, «étnico») continuou a ser alimentada. Foi-o por sionistas como Herzl, Jabotinsky e Buber, ou como Ben-Zvi e Ben-Gurion, que apesar de serem ateus e terem reconhecido os palestinos como prováveis descendentes do «povo de Israel», adoptarão o mito cristão da «expulsão da Terra de Israel» e defenderão a ideia da unidade de sangue dos judeus. Em Israel os casamentos «interreligiosos» encontram-se proscritos. Nos anos 1970, a chefe do governo, Golda Meir, proclamou que um judeu que desposasse uma não-judia se juntava aos 6 milhões que deram entrada nas câmaras de gás. Entretanto, médicos e cientistas sionistas mobilizaram-se no sentido de argumentar «cientificamente» como os judeus são portadores de especificidades biológicas que os diferenciam dos povos em cujo seio viveram. Investigaram-se as doenças e as impressões digitais, investiga-se o ADN, com trabalhos enviesados. Vincam-se as convergências entre comunidades judaicas e desconsidera-se o património comum em relação aos franceses, russos, etíopes, indianos…, comunidades que até há pouco integravam, ou aos palestinos que agora dominam. No Estado «judeu», «os homens de ciência», biólogos, historiadores, arqueólogos, etc, estão mobilizados em demonstrar que os judeus do mundo inteiro têm uma origem comum, formam uma nação, exilada há 2000 anos, com direito de preferência sobre a «Terra de Israel».

A estrutura que esteve na base da subjugação dos judeus no Ocidente converte-se em novo preconceito e forma de dominação. O ódio em relação ao «outro» encontra-se agora, em geral, virado para esses outros «semitas» que são os muçulmanos. O autor interroga-se: «até que ponto o sionismo, nascido como resposta de emergência à judeofobia moderna, não se terá tornado no seu reflexo? Em que medida, o sionismo não terá herdado fundamentos ideológicos que, desde sempre, caracterizaram os perseguidores dos judeus? Em que medida é que o Estado de Israel será um Estado etnorreligioso ou mesmo etnobiológico, em vez de uma democracia moderna ao serviço de todos os seus cidadãos, sem distinção de género, de religião e de origem?»

A judeofobia regride e a islamofobia progride, em Israel e além. A história da relação com os judeus na civilização cristã poderia constituir uma excelente oportunidade para criticar a falaciosa e perigosa oposição entre «nós» e «eles». Infelizmente, o autor constata o oposto, confessando-se «confrontado com uma realidade assaz hedionda, que o atemoriza».

Shlomo Sand

S. SAND (n.1946) é historiador e Professor Emérito da Universidade de Telavive, onde lecionou História Contemporânea. Filho de pais polacos, de cultura iídiche e sobreviventes do Holocausto, passou os dois primeiros anos de vida num «campo para pessoas deslocadas» antes da família emigrar para Israel, onde efetuou o serviço militar obrigatório e combateu na Guerra dos Seis Dias (1967). Doutorou-se em 1982 pela École des hautes études en sciences sociales, em Paris. A sua investigação tem incidido sobre a história cultural moderna, o movimento sionista e a construção de Israel. Com tradução em mais de 30 países, Como o Povo Judeu foi Inventado (2008), Como a «Terra de Israel» foi Inventada (KKYM+P.OR.K, 2021) e Como Deixei de Ser Judeu (KKYM+P.OR.K, 2023) propiciam-lhe projeção mundial. Entretanto publicou Como uma Raça foi Inventada (KKYM+P.OR.K, 2022), descrevendo o processo de racialização dos judeus, decorrendo entre a Europa judeófoba e o Israel nacionalista, denunciando em ambos os casos a fobia em relação ao «outro», que já foi judeu e com inquietante frequência tende agora a ser árabe. É ainda autor de Le XXe siècle à l’écran (2004), dedicado ao cinema.

Shlomo Sand encara Israel como fait accompli, mas reclama a transformação do Estado judaico num Estado de todos os seus cidadãos, independentemente das etnias ou religiões.