O acontecimento aqui descrito ocorreu em Israel (22-23.5.1948), uma semana após a criação do Estado (14.5.1948). Embora o caso Tantura seja um capítulo particularmente significativo na história de Israel/Palestina, não há a seu respeito praticamente nenhuma referência pormenorizada nas obras de historiadores israelenses ou palestinos, ou, com efeito, de qualquer outro historiador. No entanto, o «massacre» que ocorreu em Tantura foi tema de aceso debate jurídico e público em Israel ao longo de 2001. O tema permanece controverso gerando intensos debates. Este ensaio fornece não só uma descrição do acontecimento, da controvérsia e das suas contínuas implicações sociais, como discute ainda o seu impacto em questões fundamentais da historiografia, tais como a questão da natureza e hierarquia das fontes, bem como o alcance e limites da imaginação do historiador. Levanta também questões ainda mais prementes, nomeadamente as que concernem a objetividade e as obrigações morais de um historiador face a situações de violência extrema, de violação de fundamentais direitos cívicos e humanos, o seu compromisso para com a verdade histórica.
Ilan Pappé
I. PAPPÉ (n.1954), historiador, é diretor do European Centre for Palestine Studies na Universidade de Exeter. Filho de pais alemães que em 1930 fugiram da perseguição nazi, nasceu em Haifa, em Israel efetuou o serviço militar obrigatório, licenciou-se pela Universidade Hebraica de Jerusalém (1979) e obteve o doutoramento pela Universidade de Oxford (1984). Lecionou na Universidade de Haifa entre 1984 e 2008. Face às crescentes dificuldades em viver e desenvolver a sua atividade em Israel, a partir de 2008 estabelece-se no Reino Unido. Entre as quase duas dezenas de livro e centenas de ensaios breves que publicou, destacam-se Britain and the Arab-Israeli Conflict (1988), A History of Modern Palestine (2003; História Moderna da Palestina), A Limpeza Étnica da Palestina (2006) e Ten Myths about Israel (2017; Dez Mitos sobre Israel).
Foi e permanece um dos mais proeminentes «novos historiadores» israelenses, que, a partir dos anos 1990, com a abertura dos arquivos documentais relativos à constituição do Estado de Israel, reaprecia este período, resolutamente qualificando o processo que resultou na expulsão de aproximadamente 750.000 árabes da sua terra Natal como uma vasta e deliberada operação de «limpeza étnica». Disto mesmo dá conta em A Limpeza Étnica da Palestina, obra com um notável percurso editorial, traduzida em dezenas de línguas e países.
Com posições políticas bem marcadas, é um defensor da solução de «um Estado» entre o Mediterrâneo e o Jordão, com igualdade de direitos cívicos e políticos entre israelenses e palestinos. Encara o seu trabalho de historiador no quadro do dever de uma memória verdadeira, que reconheça o dano causado aos palestinos, como condição para a reconciliação entre as partes e para a construção de uma paz sustentável.