Revisitando 1967

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I. Pappe

Revisitando 1967

O falso paradigma da paz, da divisão e da paridade

Encarar as realidades de Israel e da Palestina como um caso colonial tem vastas implicações para a nossa compreensão do falhanço do «processo de paz». O debate académico sobre o processo de paz e as análises de progresso e fracasso baseiam-se meramente em relações de poder, nas intenções dos actores locais e das oportunidades, frequentemente carecendo da imprescindível dimensão histórica. Assim, o primeiro objectivo deste artigo é encarar historicamente o processo de paz como uma estratégia de um Estado colonial e como a resposta nativa ao mesmo.

Este ensaio afirma que o próprio «processo de paz» nasceu como conceito num determinado momento, em junho de 1967, e fez parte da tentativa do Estado colonial israelense de reconciliar o seu desejo de permanecer demograficamente um Estado democrático e judeu, após 1967, ao mesmo tempo que se expandia geograficamente, assim passando a governar mais alguns milhões de árabes.

Uma terceira afirmação revela como as elites política e militar israelenses entraram conscientemente neste dilema, ao contemplar a possibilidade de um cenário da sua própria autoria, ou de outros, que os colocaria como governadores da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.

A partir destes três pontos, conclui-se que a solução de «dois Estados» e o processo que é suposto vir a concretizá-la são um plano israelense em duas partes, cuja lógica foi aceite, com modificações, pela coligação entre os EUA, a UE, a Rússia, a ONU, a maior parte do Estados Árabes, a liderança palestina da Fatah, a esquerda, o centro sionistas em Israel e, ainda, algumas figuras conhecidas do movimento de solidariedade com os palestinos. Foi o poder desta coligação e não a lógica da solução, que há tanto tempo mantém à tona o processo, apesar do seu notório fracasso.

Ilan Pappé

I. PAPPÉ (n.1954), historiador, é diretor do European Centre for Palestine Studies na Universidade de Exeter. Filho de pais alemães que em 1930 fugiram da perseguição nazi, nasceu em Haifa, em Israel efetuou o serviço militar obrigatório, licenciou-se pela Universidade Hebraica de Jerusalém (1979) e obteve o doutoramento pela Universidade de Oxford (1984). Lecionou na Universidade de Haifa entre 1984 e 2008. Face às crescentes dificuldades em viver e desenvolver a sua atividade em Israel, a partir de 2008 estabelece-se no Reino Unido. Entre as quase duas dezenas de livro e centenas de ensaios breves que publicou, destacam-se Britain and the Arab-Israeli Conflict (1988), A History of Modern Palestine (2003; História Moderna da Palestina), A Limpeza Étnica da Palestina (2006) e Ten Myths about Israel (2017; Dez Mitos sobre Israel).

Foi e permanece um dos mais proeminentes «novos historiadores» israelenses, que, a partir dos anos 1990, com a abertura dos arquivos documentais relativos à constituição do Estado de Israel, reaprecia este período, resolutamente qualificando o processo que resultou na expulsão de aproximadamente 750.000 árabes da sua terra Natal como uma vasta e deliberada operação de «limpeza étnica». Disto mesmo dá conta em A Limpeza Étnica da Palestina, obra com um notável percurso editorial, traduzida em dezenas de línguas e países.

Com posições políticas bem marcadas, é um defensor da solução de «um Estado» entre o Mediterrâneo e o Jordão, com igualdade de direitos cívicos e políticos entre israelenses e palestinos. Encara o seu trabalho de historiador no quadro do dever de uma memória verdadeira, que reconheça o dano causado aos palestinos, como condição para a reconciliação entre as partes e para a construção de uma paz sustentável.