Neste artigo, Rashid Khalidi analisa a guerra em curso em Gaza no contexto da história de mais de cem anos de guerra contra a Palestina. Longe de ser uma disputa ancestral entre religiões ou povos, trata-se de uma guerra «com várias frentes lançada sobre a população indígena da Palestina por diversos grandes poderes aliados ao movimento sionista. Este movimento foi tanto nacionalista como colonialista de ocupação, e o seu objetivo foi o de substituir o povo palestino na sua ancestral terra-natal, convertendo um país árabe num Estado judaico». 

Aquilo a que se assiste na Faixa de Gaza é totalmente consistente «com 77 anos de limpeza étnica, ocupação militar e esbulho de terras palestinas por parte de Israel, com décadas de cerco e privação da Faixa de Gaza e com ocasionais reações palestinas, muitas vezes violentas, a estas ações. Este padrão de comportamento qualifica inquestionavelmente o projeto israelense-sionista como um projeto colonial de ocupação [settler-colonial], o derradeiro projeto colonial do mundo contemporâneo».

A brutal escalada de violência na Faixa de Gaza, com dezenas de milhares de vítimas — a grande maioria palestina — e uma destruição sem precedentes a que o mundo tem assistido, em vez de levar a uma reflexão aprofundada acerca das razões deste enésimo episódio da guerra, reforçou ainda mais a abordagem meramente militar israelense, sem qualquer objetivo político, além de slogans como «vitória» e «dissuasão».

Neste processo, os EUA, que têm mostrado um apoio quase incondicional a Israel, ignoram o fim da ocupação e da colonização, bem como os elementos essenciais para uma solução de dois Estados. Em vez disto, continuam a promover modelos que apenas perpetuam o controlo israelense sob disfarces diferentes, como um «Estado» palestino sem soberania.

Com este respaldo, a guerra de Israel continua a promover a limpeza étnica em Gaza, tendo criado, em 2025, um organismo oficial responsável por coordenar a chamada «migração voluntária» da população palestina — um eufemismo para designar a expulsão forçada. Esta estratégia é vista como a continuação de uma política histórica de supressão da população indígena palestina, agravada pela influência de propostas como a de Trump, que chegou a sugerir a transformação de Gaza numa estância de luxo sem palestinos.

Apesar de importantes mudanças na opinião pública, especialmente entre jovens e progressistas, a política externa americana, e de diversos governos europeus, continua assim fortemente alinhada com a perspetiva israelense, menosprezando a liberdade dos palestinos.

Num momento de forte reação internacional perante a catástrofe, a extensa análise de Rashid Khalidi não se limita a relatar eventos, por demais evidentes, mas propõe uma leitura crítica do momento atual, enraizada na história e nas estruturas de poder que moldam, há um século, a guerra contra a Palestina. Todavia, contra a violência e o impasse da política, apesar da dor e da devastação, da prática de crimes de guerra e genocído, mantém-se a esperança: que as próximas gerações possam finalmente ver nascer «uma paz baseada no reconhecimento de realidades históricas dolorosas e no desmantelamento de estruturas coloniais de opressão, fundamentada na justiça, na igualdade de direitos e no reconhecimento mútuo».

Rashid Khalidi

Rashid Khalidi (n.1948) é um historiador palestino-americano nascido em Nova Iorque, especializado na história moderna do Médio Oriente. É Professor titular da Cátedra Edward Said de Estudos Árabes Modernos na Universidade de Columbia, nos EUA, e foi editor do influente Journal of Palestine Studies entre 2002 e 2020, mantendo-se desde então como coeditor. Formado pela Universidade de Yale e doutorado por Oxford, Khalidi lecionou em várias Universidades de prestígio, incluindo a Universidade Americana de Beirute, Georgetown, Chicago e Columbia. Foi ainda presidente da Middle East Studies Association. Destacou-se como comentador público durante a Guerra do Golfo, tendo publicado artigos em importantes meios de comunicação e participado regularmente em programas de televisão e rádio internacionais. É autor de obras académicas amplamente citadas, como Palestinian Identity (1997), onde apresenta a emergência da identidade nacional palestina no início do século XX, The Iron Cage (2006), que analisa os obstáculos à criação de um Estado palestino, e Palestina. Uma Biografia. Cem anos de guerra e resistência (2020). A sua intervenção académica e pública tornou-o uma referência internacional no debate sobre o conflito israelo-palestino. Apoia o movimento BDS e tem criticado sustentada e abertamente a política externa dos EUA para o Médio Oriente.