A guerra de 1948 em Israel / Palestina é designada em Israel como «Guerra da Independência», amiúde acompanhada da glorificação dos soldados e dos oficiais judeus que nela tomaram parte, com a ocultação dos seus crimes e difamação das vítimas. Já os palestinos designam-na de Nakba, «catástrofe», o que dá conta dos devastadores efeitos que produziu na sociedade palestina, não elucidando porém quanto à natureza dos acontecimentos ocorridos.
Com base na aturada investigação das fontes – arquivos documentais que no final da década de 1990 passam a estar acessíveis, ficheiros secretos, testemunhos orais, entre outros – nesta obra incisiva, Ilan Pappe propõe que a morte, o massacre e a expulsão de quase um milhão de pessoas, o despovoamento e a destruição de de aprox. 500 aldeias e bairros urbanos sejam encaradas como uma vasta e deliberada operação de «limpeza étnica». Traduzida em dezenas de línguas e países, A Limpeza Étnica da Palestina, é porventura uma das mais importantes obras sobre a história moderna de Israel / Palestina.
Quanto ao fundo do problema que o conflito coloca, para ambos os povos em luta e ainda para todos nós, o autor sintetiza nos seguintes termos: «O problema de Israel nunca foi a sua judeidade – o judaísmo tem muitas faces e muitas delas proporcionam uma base sólida para a paz e a coabitação –, quanto o seu caráter étnico-sionista. O sionismo não tem as mesmas margens de pluralismo que o judaísmo oferece, sobretudo não para os palestinos. Estes nunca poderão ser parte do Estado e do espaço sionistas e continuarão a lutar – e oxalá que a sua luta seja pacífica e bem sucedida. Caso contrário, será desesperada e vingativa e, qual turbilhão, sugará tudo numa grande e perpétua tempestade de areia, que irá grassar não só nos mundos árabe e muçulmano, mas também na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos – as potências que, cada uma à sua maneira, alimentam a tempestade que ameaça arruinar-nos a todos».
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No imediato rescaldo do ataque perpetrado pelo Hamas em 7.10.223, o historiador Ilan Pappe contextualiza os acontecimentos que durante semanas o antecederam, o movimento de protesto contra o projeto governamental de reconfiguração do sistema judicial de Israel. Nestes protestos a discussão sobre a Ocupação dos Territórios Palestinos – Faixa de Gaza e Cisjordânia – era tema considerado como resolvido ou, com efeito, proscrito. Qualquer tentativa para se falar da Palestina ou da violência continuada sobre os palestinos era sumariamente silenciada. O único problema era a reforma judicial, num país dividido entre duas concepções de apartheid: uma secular, à maneira das democracias ocidentais; a outra messiânica, religiosa e autocrática – de ambas, estando definitivamente excluídos os palestinos.
Contra esta percepção comum em Israel, o autor vem contestar décadas de propaganda, de narrativas e falsidades, a partir das quais se tem de-historicizado e descontextualizado a causa palestina e a sua luta anti-colonialista. A sua crítica incide, em primeiro lugar, sobre a natureza ideológica e racista do movimento sionista, que está na génese do Estado de Israel. Neste sentido, procura distinguir a natureza dos legítimos movimentos de auto-determinação e libertação nacional de qualquer genealogia etnoracial, a partir da qual se mobiliza o programa colonialista de aparthied, de ocupação e eliminação-expulsão dos autóctones. Em segundo lugar, procura sublinhar a longa duração da história palestina que fundamenta a sua legítima luta pelo direito a viver independente, democrática e livre no seu território. Quando estas condições sejam cumpridas a Palestina viverá em paz.
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Encarar as realidades de Israel e da Palestina como um caso colonial tem vastas implicações para a nossa compreensão do falhanço do «processo de paz». O debate académico sobre o processo de paz e as análises de progresso e fracasso baseiam-se meramente em relações de poder, nas intenções dos actores locais e das oportunidades, frequentemente carecendo da imprescindível dimensão histórica. Assim, o primeiro objectivo deste artigo é encarar historicamente o processo de paz como uma estratégia de um Estado colonial e como a resposta nativa ao mesmo.
Este ensaio afirma que o próprio «processo de paz» nasceu como conceito num determinado momento, em junho de 1967, e fez parte da tentativa do Estado colonial israelense de reconciliar o seu desejo de permanecer demograficamente um Estado democrático e judeu, após 1967, ao mesmo tempo que se expandia geograficamente, assim passando a governar mais alguns milhões de árabes.
Uma terceira afirmação revela como as elites política e militar israelenses entraram conscientemente neste dilema, ao contemplar a possibilidade de um cenário da sua própria autoria, ou de outros, que os colocaria como governadores da Cisjordânia e da Faixa de Gaza.
A partir destes três pontos, conclui-se que a solução de «dois Estados» e o processo que é suposto vir a concretizá-la são um plano israelense em duas partes, cuja lógica foi aceite, com modificações, pela coligação entre os EUA, a UE, a Rússia, a ONU, a maior parte do Estados Árabes, a liderança palestina da Fatah, a esquerda, o centro sionistas em Israel e, ainda, algumas figuras conhecidas do movimento de solidariedade com os palestinos. Foi o poder desta coligação e não a lógica da solução, que há tanto tempo mantém à tona o processo, apesar do seu notório fracasso.
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O acontecimento aqui descrito ocorreu em Israel (22-23.5.1948), uma semana após a criação do Estado (14.5.1948). Embora o caso Tantura seja um capítulo particularmente significativo na história de Israel/Palestina, não há a seu respeito praticamente nenhuma referência pormenorizada nas obras de historiadores israelenses ou palestinos, ou, com efeito, de qualquer outro historiador. No entanto, o «massacre» que ocorreu em Tantura foi tema de aceso debate jurídico e público em Israel ao longo de 2001. O tema permanece controverso gerando intensos debates. Este ensaio fornece não só uma descrição do acontecimento, da controvérsia e das suas contínuas implicações sociais, como discute ainda o seu impacto em questões fundamentais da historiografia, tais como a questão da natureza e hierarquia das fontes, bem como o alcance e limites da imaginação do historiador. Levanta também questões ainda mais prementes, nomeadamente as que concernem a objetividade e as obrigações morais de um historiador face a situações de violência extrema, de violação de fundamentais direitos cívicos e humanos, o seu compromisso para com a verdade histórica.
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Tendo por base os primeiros capítulos de um novo livro [The Ethnic Cleansing of Palestine, Oxford, Oneworld, 2006; A Limpeza Étnica da Palestina, trad. L. G. Soares, São Paulo, Sundermann, 2016], este ensaio enfatiza os preparativos sistemáticos que lançaram as bases para a expulsão em 1948 de mais de 750.000 palestinos do território do recém criado Estado de Israel. Enquanto esboça o contexto e os desenvolvimentos diplomáticos e políticos do período, o artigo destaca em particular o projeto plurianual «Arquivos da Aldeia» (1940-47), envolvendo a compilação sistemática de mapas e informação secreta para cada aldeia árabe, além da elaboração – sob a direcção de um «comité» interno com menos de uma dúzia de homens, liderado por David Ben-Gurion – de uma série de planos militares que culminam no Plano Dalet, segundo o qual a guerra de 1948 foi travada. O artigo termina com a declaração de um dos objetivos subjacentes do autor ao escrever o livro: defender um paradigma de limpeza étnica para substituir o paradigma da guerra como base para a investigação académica e o debate público sobre 1948.
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Neste ensaio, o historiador Ilan Pappé analisa o paradoxo que está na origem do sionismo, fundado por judeus seculares mas que usaram a Bíblia para justificar e legitimar pretensões coloniais: «não acreditamos em Deus, e no entanto, Ele prometeu-nos a Palestina», título de um famoso ensaio de Amnon Raz-Krakotzkin.
Os primeiros sionistas seculares citaram frequentemente a Bíblia para demonstrar que havia um imperativo divino na colonização da Palestina e com vista à redenção da Eretz Israel, a Terra de Israel. Mas Pappé argumenta que a Bíblia não é, na verdade, um texto muito útil à reinvenção de uma nação judaica: o pai da nação, Abraão, não era da Palestina, os hebreus tornaram-se uma nação no Egito e os Dez Mandamentos foram-lhes comunicados em Sinai, no Egito.
Inicialmente o sionismo foi rejeitado por muitos judeus religiosos e pela maioria dos judeus ortodoxos, para quem a ideia de um «regresso» dos judeus à Terra de Israel antes do regresso do Messias era inconcebível. No entanto, com a intensificação da perseguição dos judeus na Europa, a ideia de criar um estado judaico foi ganhando adeptos. Nesta sequência, houve judeus religiosos que viriam a considerar que o exílio, do Egito como os demais do período bíblico associados ao comportamento contrários à vontade de Deus, chegava ao fim com o advento do sionismo na Palestina.
Pappé expõe como o ponto de convergência entre sionistas seculares e religiosos quanto à centralidade da Bíblia, não é enquanto texto religioso, mas antes como um documento que afirma o direito histórico dos judeus à propriedade sobre a terra. A exploração sionista da Bíblia como verdade científica ou enquanto justificação moral para a colonização da Palestina contribuiu para recrutar apoios não só de comunidades judaicas, mas também de poderosos sectores do mundo cristão ocidental.
Apesar do nacionalismo religioso ter tido um papel reduzido no estabelecimento do Estado de Israel, Pappé analisa como este movimento cresce a partir do final da década de 1960. Para os judeus nacionalistas ultraortodoxos, a colonização de grandes áreas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, tornada possível através da ocupação dos territórios palestinos em 1967, foi interpretada como uma reapropriação em nome de Deus e da Bíblia. Assim, os textos bíblicos tornaram-se na pedra angular da interpretação sionista da espoliação da Palestina, e da exclusão e desapossamento dos palestinos.
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